Até há mais ou menos duas décadas atrás, quem praticava yoga era visto como hippie, místico demais ou meio doido, certo? Pois é, porém atualmente a ciência já mais que legitimou a importância da prática para a manutenção da saúde, em especial, em momentos de estresse, como o atual.
E por que o yoga vem ganhando esse destaque?
De acordo com Van der Kolk (2020), estudioso do trauma e seus desdobramentos, existe um marcador biológico, que é a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), este atua como um bom indicador de como está funcionando o nosso sistema nervoso autônomo. Ele é dividido em dois ramos e é o sistema de sobrevivência mais primitivo do nosso corpo. O simpático nos prepara para a ação e o parassimpático está mais engajado em funções regenerativas do nosso organismo.[1] [2]
Bonnie Cohen (2015), criadora do método de educação somática do Body Mind Centering, nos lembra do quanto uma ramificação do sistema dá suporte para a outra e, que esse constante equilíbrio rítmico entre um e outro é o que garante nosso bem-estar. É basicamente isso que a variabilidade frequência cardíaca nos informa, como está a alternância entre esses dois ramos: o simpático e o parassimpático.
Hoje sabemos que todos os transtornos mentais possuem em sua base, uma desregulação crônica do sistema nervoso autônomo, ou seja, uma modulação desfavorável, onde esse equilíbrio rítmico encontra-se prejudicado, influenciando em padrões de pensamentos, sensações e ações.
Isso na prática quer dizer que a pessoa pode ter significativas dificuldades para interpretar o mundo, confiar nas suas sensações, como também em emitir respostas mais assertivas e coerentes em seus comportamentos.
Além de ser um elemento importante comum a todos os transtornos mentais, a desregulação crônica pode sobrecarregar sistemas orgânicos do corpo, levando a problemas de saúde física, como úlceras, enxaquecas e infartos, por exemplo.
Sendo assim, aprender caminhos para melhorar a sincronia entre esses dois ramos é fundamental até para que qualquer trabalho terapêutico se solidifique e a manutenção da saúde aconteça.
Muitas vezes, o que ocorre na prática da vida, é que pessoas busquem se autorregular através de álcool, drogas ou consumo de medicação sem assistência médica, aumentando ainda mais, o problema de saúde. É uma maneira de evitar as sensações, pensamentos e emoções desagradáveis, uma tentativa de se proteger da dor.
Sabe-se hoje que um dos meios para se obter melhores resultados na variabilidade da frequência cardíaca é aprender como respirar corretamente.
Ainda hoje é surpreendente como as pessoas não sabem respirar e não têm nenhuma familiaridade com seu próprio corpo, que é a sua casa, de fato.
Tradicionalmente a prática de yoga é dividida em 8 passos e a ciência moderna se ocupou bastante no aprofundar de alguns deles: pranayama (respiração), asana (posturas psicofísicas), dharana (direcionamento da atenção) e dhyana (sustentação da atenção/meditação) foi a partir disso que nasceu o moderno Mindfulness e, também alguns elementos da terapia comportamental dialética.
Constatou-se que todos esses passos influenciam diretamente na capacidade de uma pessoa se regular, podendo assim, recuperar algum senso de segurança do organismo, para que então, sua capacidade de raciocinar logicamente, tomar decisões mais coesas e ações mais coerentes possam se reestabelecer.
Uma pessoa muito desregulada sofre um “apagão” no seu neo-córtex, área do cérebro responsável pelas nossas funções superiores, ficando assim fixada na fisiologia do alerta, deixando seu corpo e sua mente constantemente preparados para se defender.
Podemos entender essa desregulação como uma falta de habilidade para lidar com a intensidade emocional diante de um estímulo interno ou externo, é como se a pessoa se visse dominada pelas suas emoções e precisasse encontrar um jeito de se livrar daquilo porque acha que não dá conta.
Quando estamos fixadamente presos em resposta de defesa, não sobra espaço para o engajamento social, para o desejo e a realização.
Portanto, trabalhar a partir de recursos do corpo, como o yoga, é uma excelente forma de recuperar o senso de segurança no organismo, abrindo espaço para a capacidade cognitiva, social e comportamental do sujeito se restabelecer.
Numa prática de yoga, aprende-se não só a respirar, mas também a direcionar e sustentar o foco de atenção, elemento fundamental para lidar com ativações emocionais intensas e aumentar essa janela de tolerância.
Estimula-se um estado de presença, a estar sentado acompanhado de si e também ao mover-se consciente.
Uma condição comum a pessoas que passaram por traumas e /ou que estão num quadro de transtorno mental agudo é a alexitimia, que é uma dificuldade em interpretar e consequentemente expressar o que se passa no organismo, o que geralmente aparece na clínica como um mal estar persistente e difuso, no qual a pessoa não consegue associar a um desencadeador.
O yoga contribui para que a pessoa aos poucos vá recuperando a sua capacidade de sentir, e com isso, sua capacidade de cuidar mais assertivamente de si, tendo em vista que só podemos cuidar daquilo que percebemos.
A prática é uma forma de regulação de baixo pra cima, ou seja, a partir da sensação do corpo envia-se um feedback para as vias cognitivas. É um caminho de retorno a casa corpo de forma segura.
Libera-se cargas emocionais que possam estar contidas no corpo, percebe-se atitudes internas diante de estímulos, constrói-se novos caminhos para lidar com o próprio ser, encontrando territórios de conforto em um corpo, que talvez estivesse inundado pela dor física e/ou emocional.
Uma simples permanência sentado em meditação, deitado com orientação de não se mover ou ainda como sustentar por algumas respirações um ásana, é um caminho experiencial potente para aprender a aumentar a janela de tolerância ao desconforto, contribuindo para a formação de uma percepção de que essas emoções são passageiras e é possível lidar com elas.
A associação de terapia e yoga, pode ser comparada ao prognóstico favorável encontrado na associação de terapia e medicação. É preciso recuperar a capacidade do organismo de se regular para dar espaço para toda e qualquer mudança venha a acontecer.
Yoga e terapia se complementam no processo de cuidado integral, uma prática potencializa o desenvolvimento favorável da outra.
“Uma das lições mais claras da neurociência contemporânea é que nossa autopercepção está ancorada numa conexão vital com o corpo. Não podemos nos conhecer de verdade se não pudermos sentir e interpretar nossas sensações físicas.” (Van der Kolk, B. 2020).”
COHEN, Bonnie. Sentir, perceber e agir. São Paulo: Edições Sesc, 2015.
LEAHY, Robert L. Regulação emocional em psicoterapia. Porto Alegre: Artmed, 2013.
VAN DER KOLK, Bessel. O corpo guarda as marcas. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.